domingo, 12 de fevereiro de 2012

FOI ENTÃO QUE MARIA CHOROU...



By Daneiele F. Pusceddu



Maria, uma menina que nasceu pobre, sem muitas condições financeiras; condições essas que via em suas amiguinhas, por estudar, de favor, através de uma bolsa concedida por intercessão de uma assistente social às freiras de um colégio católico destinado à classe média.

Maria com seus cabelos longos, lisos, mas mal-tratados, ofuscados, sem brilho, o mesmo não brilho do seu olhar gélido sobre a escola fria, de valores frios, de homens frios e de mulheres, igualmente, frias, que viam nela mais um bichinho de estimação a que uma pessoa humana... Nada que se é dito conceitualmente, claro, mas que permeia silenciosamente o inconsciente dos ditos “homens de bens”, e que ainda conseguem se gloriarem por ser tão caridosos e cheios de amor!

Maria de pele parda e voz rouca, logo descobriria que as pessoas, podem e, invariavelmente, são cruéis, na tenra idade, na formação de seus nobres valores, em um colégio de pessoas ditas nobres... Em uma aula, não tinha caneta para suas anotações, e pediu emprestada a uma colega, o que não houve recusa, mas, de pronto, foi acusada de roubar os objetos pessoais da mesma, o que sem entender e ofendida, não argumentou nada em seu favor, preferiu o silêncio, ainda sem saber que ele é um Direito Constitucional! E a chorar na direção, quase perdendo sua bolsa de estudos, houve a absolvição. O padre diretor da instituição não havia acreditado no feito, contudo, preferiu conversar com a menina Maria, com a ingênua Maria...

O conselho do padre foi cruel, mas garantiria a sobrevivência da pobre menina: “você a partir de hoje só usará o que é seu, se você não tem caneta, não peça emprestado a ninguém, escreva com lápis, ou simplesmente não escreva... O que é seu é seu, o que dos outros, dos outros, e isso nos evitará problemas!”. Sim, Maria entendera o recado, muito além do que se possa imaginar, afinal, aquela pobre criança tímida compreendia que na sua vida tudo deveria ser com muito esforço e trabalho, nada seria tão fácil, e que as pessoas emprestam alguma coisa para as outras se nisso houver algum interesse comum, interesse que eles não tinham nela, salvo, pelo desejo incontrolável de terem-na como o objeto de escárnio.

Sim, Maria cresceu, de menina a uma linda moça pobre,  não tão ingênua quanto antes, iria descobrir  outra imperiosa lição, talvez duas! Com a puberdade, sim, às primeiras paixões e com elas as grandes decepções... Por Ronaldo se enamorou, e como todo adolescente amante, sonhou... Sim Maria sonhou muito, mas numa conversa que ouviu do pai do rapaz com seu filho, logo seu pranto foi verdadeiro. Um conceito estranho, entretanto soube que rico casa com rico e que os pobres, como Maria, só servem para se prostituírem, portanto ela deveria ser objeto de prazer para Ronaldo, mas nunca esposa, pois ele deveria se casar com uma mulher branca e de posses, de família nobre...

Com aquele velho olhar gélido, ao horizonte, entendia que a culpa sempre é das putas, e que essas são as que transam por pouco dinheiro, afinal, “mulher honesta” se casa por muito dinheiro... E que não importava o que fizesse, na sua condição financeira, ser puta sempre seria a grande possibilidade da maioria, ainda que não transasse, afinal, não sabia o porquê disso, apenas, sabia que era assim.

Maria não desistiu, formou-se no colégio, foi para faculdade, graduou-se em Direito, foi advogada e logo juíza... Maria não era mais pobre, nem bonita, afinal, estava linda, embora seu olhar gélido ainda pairasse sobre as pessoas e no horizonte... Maria não se casou, e nem queria...  Afinal, havia aprendido muito em sua infância e adolescência sobre a natureza humana da classe média! Maria se tornou rígida, e seguia o velho conselho do padre do que é seu é seu, dos outros, dos outros... Jamais pedia emprestado, ou conversava à toa, excelente profissional, extremamente competitiva, não se importava em ser simpática, apenas desejava ser admirada por sua competência, e isso, de fato, era!

Próximo à páscoa, Maria subia à rua de sua casa, quando de subido, estacionou seu carro e, com um olhar diferente do gélido, agora flamejante, intenso passou a observar duas crianças sentadas na calçada, duas crianças pobres, com uma marmita, e apenas uma colher, em que uma enchia a colher de comida, comia, e passava a outra, que o mesmo fazia, e assim se revezavam na única marmita com uma única colher! Maria desceu de seu carro importado, foi até o bar da esquina e comprou 3 litros de coca-cola e dois copos descartáveis, e deu aos meninos, que com olhar terno e um belo sorriso agradeceram a gentileza...

Maria entrou no carro e continuou a observar, os meninos encherem um copo de coca-cola e ignoraram o outro, e um dava uma golada e passava ao outro que o mesmo fazia... Com os olhos marejados, e um nó na garganta, Maria olhou profundamente para os dois, intensamente, foi então que Maria chorou..

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FOI ENTÃO QUE MARIA CHOROU.. de Daneiele F. Pusceddu é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Brasil.
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