terça-feira, 22 de maio de 2012

O Conflito Paulino nos “Lugares Celestiais”






Levi B. Santos


O Psicanalista, Roberto Girola, em um substancioso artigo que versa sobre o DESEJO(link), dentro do dinamismo psíquico, recorre a um trecho da carta atribuída ao apóstolo Paulo e endereçada aos Romanos. Diz ele, sobre a essência desse texto, aparentemente, de difícil interpretação: “é evidente a influência neo-platônica e, ao mesmo tempo, o fracasso dos ideais estóicos de auto-controle”. Nesse excerto paulino, podemos ver com fortes cores, a angústia do homem frente às forças inconscientes que o dominam. Vemos também a incapacidade do homem em conviver equilibradamente com suas vicissitudes e afetos paradoxais.

Trata-se do emblemático trecho de Romanos (7, 15 – 24):

“Efetivamente, eu não compreendo nada do que faço: o bem que eu quero, não o faço, mas o mal  que odeio faço-o. Ora se faço o que não quero, estou de acordo com a Lei e reconheço que ela é boa; não sou eu, pois, quem ajo assim, mas o pecado que habita em mim ― quero dizer em minha carne — o bem não habita. Querer o bem está ao meu alcance, não, porém praticá-lo, visto que não faço o bem, que quero, mas o mal que não quero. Ora, se faço o que não quero, não sou quem age, mas o pecado que habita em mim. Eu, que quero fazer o bem constato essa lei em mim: é o mal que está ao meu alcance. Pois eu me comprazo na Lei de Deus, enquanto homem interior, mas em meus membros descubro outra lei que peleja contra a lei da minha razão e que me acorrenta à lei do pecado que existe em meus membros”. Infeliz que eu sou! Quem me livrará do corpo dessa morte?”.

O desabafo acima, muito bem concatenado, parece demonstrar que no peito de Paulo ardia um “duplo ser”: o da intolerância latente representada pelo legalismo autoritário Judaico (arquétipo patriarcal – de um Pai que necessita de súditos para O servir) e o do inconformismo em face da tolerância do “vinde como estás” do cristianismo (arquétipo da alteridade – de um Pai que desce ao nível do homem para servi-lo).

 R.N. Champlin e colaboradores – em sua volumosa coleção de seis volumes com mais de 4.000 páginas, na qual há comentários extensos, versículo à versículo do Novo Testamento, chega a citar um poema de Olavo Bilac, para exemplificar melhor o conflito psíquico Paulino, que em psicanálise é explorado como produto da ambivalência dos afetos, que caracterizam o humano:

Não és bom, nem és mau; és triste e humano...
Vives ansiando em maldições e preces,
Como se, a arder, no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano

Pobre, no bem como no mal padeces
E, rolando num vórtice  vesano
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperanças e desinteresses.

Capaz de horrores e de ações sublimes
Não ficas da virtude satisfeito,
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:

E, no perpétuo ideal que te devora,
Residem, juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora.”

O ensaio “SOBRE OS NOSSOS DEMÔNIOS INTERIORES”(link), de Junho de 2010, que postei na C.P.F.G., o qual foi muito debatido em cerca de 120 comentários realizados pelos confrades, tem uma parte que mostra como, na visão mítica dos antigos, eram interpretadas as profundas forças obscuras da psique humana:

“Uma coisa não se pode negar: é a de que a guerra entre deuses e demônios vem se travando na mente dos religiosos desde épocas remotas. Com a descoberta do ‘inconsciente’, ficou claro que esses deuses e demônios que os antigos percebiam, nada mais são que produtos da psique humana traduzidos por eles como forças externas personificadas do mal e do bem. A figura do capeta, diabo ou demônio, ainda hoje, entre os fundamentalistas, é traduzida como potestades do ar que invadem a mente para guerrear contra deuses imaginários. É nesse grande palco mental denominado pelo apóstolo Paulo, de “lugares celestiais”, que se trava a imaginária luta entre as potestades divinas e diabólicas”.

Numa reflexão profunda, iremos notar que os grandes mitos religiosos, como o da criação, no Gênesis, nos mostram em linguagem alegórica ou figurada a bipolaridade de nossos sentimentos. A psique do homem primevo, é representada pelo céuandar superior, ou lugares celestiais, tendo no trono um Pai autoritário a comandar anjos “ovelhas” e anjos “bodes” em uma “eterna” guerra ou cruzada ―, numa analogia ao choque dos sentimentos antagônicos descritos por Paulo.

solução, para que haja períodos de trégua ou armistício entre os nossos afetos paradoxais ― “anjos” e “demônios” ―, depende muito de que se tenha a percepção de um “Superego” ou um pai mais compassivo, menos cobrador e menos guerreiro.

 Quando se fala que alguém perdeu o equilíbrio, em linguagem mítica, podemos dizer que ele incitou seus anjos a uma guerra. Quando falamos que estamos em PAZ, na linguagem mítica, estamos a dizer que os nossos anjos (situacionistas e opositores) entraram em um acordo.

A batalha entre o ideal de “pureza ou santidade” e o nosso lado “sombrio ou escuro” jamais será vencida com ódio e repressão. Quanto mais integrarmos ou aceitarmos os nossos impulsos sombrios ou “abomináveis”, ao invés de tentar expulsá-los ou projetá-los no outro, mais estaremos longe dos efeitos destrutivos da cisão de nosso ser psíquico com toda sua gama de efeitos doentios e alienantes.

“Esse é o nosso “destino melancólico” desde o começo da história humana, e deverá permanecer enquanto houver vida humana consciente” (Paul Tillich – Teologia da Cultura – página 245)

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