quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Vanitas, Vanitatis!



Por Matheus De Cesaro

“Onde é que eu não entro? Onde é que eu não mando alguma coisa? Vou do salão do rico ao albergue do pobre, do palácio ao cortiço, da seda fina e roçagante ao algodão escasso e grosseiro.”

Machado de Assis “Elogio a Vaidade”


Ao dissertar  sobre vaidade, talvez a primeira lembrança que nossa mente nos traga, é que , vaidade é só vaidade”. Assim  já dizia o sábio Rei de Israel ao qual se chamava Salomão e nos conta a história bíblica cristã e a história judaica, que teria sido este homem um dos mais sábios de toda a humanidade. Um homem, rico, inteligente, com poder e supostamente castigado pela sua vaidade. Um homem que definiu em seus textos serem todas as atitudes vaidosas, vãs e fúteis, revelando-se no desejo de aparecer, de brilhar, de atrair a atenção dos outros, uma presunção ridícula e medíocre, um ato de vangloriar-se e ostentar uma posição, apresentar-se de forma grandiosa aproveitando-se do conhecimento, do poder sobre os mais fracos e dos menos favorecidos, enfim, tudo que pudesse o colocar em um nível aparentemente acima do que realmente e de fato fosse, dizia Salomão ser vaidade.

“Vaidade de Vaidades! Diz o Pregador, vaidade de vaidades! É tudo vaidade”, “Avel Avalim! Amar Koelet, avel avalim! Col avel”, “Vanitas, vanitatis! Vanitas, Vanitatis! Et omnia vaitas” (Eclesiastes 1:2)

Quando fala-se em vaidade no sentido de como ela se manifesta no ser humano, alguns se escondem e fogem deste assunto, talvez por temor de terem que enfrentar a si mesmos, e depararem-se com os seus próprios “monstros internos”. Uma realidade que surge por meio do que Freud denominou de “sono do mundo”. Mas, ainda há alguns que buscam incessantemente atrapalhar este sono. Por isso nos dedicamos em lutar por essa compreensão de nós mesmos, seja na leitura, na escrita, no debate, nas divergências e nas concordâncias, enfim, vivemos em uma constante busca pelo entendimento dessa complexidade que forma nossas vidas.

Em contra partida, há outros que não fogem a esta realidade, porém se manifestam trazendo as mais variadas e bem estruturadas interpretações para definir e formar o conceito, parecendo até terem em mãos a fórmula secreta para vencerem esta paixão, mesmo sendo muitas destas dissertações vazias e superficiais se comparadas ao que realmente queremos compreender e investigar. O que hoje se tornou  muito comum, se tratando de qualquer assunto em que nos disponibilizarmos a dissertar. Ninguém mais fica para trás em uma discussão, basta ter acesso a internet, uma teclada ou outra em um computador ou até mesmo em um celular, e “bummm” bem ao estilo “Big Bang”, temos uma explosão de Phd’s em qualquer assunto que esteja em voga, basta o camarada entrar na “wikpédia” e terá condições de elaborar uma opinião convincente e bem estruturada sobre o termo discutido, para exatamente demonstrar sua vaidade no que faz alusão ao ato de conhecer o assunto em questão. E desta forma não passar a vergonha de assumir que de fato não compreende o que esta a dissertar. E segundo este tão “sábio e influente site”, podemos definir a vaidade da seguinte forma: 

“A vaidade (chamada também de orgulho ou soberba) é o desejo de atrair a admiração das outras pessoas. Uma pessoa vaidosa cria uma imagem pessoal para transmitir aos outros, com o objetivo de ser admirada.”

Não que este sentimento e busca de atrair atenção não venha mesmo revelar a vaidade, mas tal revelação é superficial e rasa, sendo que quando conjecturamos e supomos acerca da vaidade, podemos ir mais longe, podemos invadir e destrinchar com mais ênfase nossa própria natureza humana, tendo ciência de que tal paixão compõe nossa natureza. Em resposta ao que a “Wikipédia” define e aponta como vaidade, eu me recordo de um fragmento escrito por C S Lewis que diz,

"O prazer em ser elogiado não é orgulho ou vaidade. A criança a quem se da uma palmadinha nas costas por fazer bem uma lição, a mulher cuja beleza é louvada por quem lhe ama, a alma remida a quem Cristo diz, "procedeste bem", ficam satisfeitas e são desejáveis. Porque, aqui, o prazer assenta não no que somos, mas no fato de termos agradado alguém a quem queríamos precisamente agradar. O problema começa quando deixamos de pensar, "ele gosta de mim, que ótimo", para pensar, "que sujeito formidável eu sou, para ter feito isso". Quanto mais nos deleitamos conosco mesmos, e menos nos deleitamos com o elogio, piores nos estamos tornando... Se alguém deseja adquirir humildade, o primeiro passo é compreender que se é orgulhoso e vaidoso por natureza. Nada mais pode ser feito antes disso. E quando alguém pensa que não é orgulhoso, significa que ele é, na verdade, extremamente orgulhoso e esta impregnado pela vaidade. Não imaginem que se encontrarem um homem realmente humilde ele será o que a maioria das pessoas chamam "humilde", hoje em dia... Provavelmente só pensaremos que ele parece um indivíduo inteligente e bem disposto, e que tem um verdadeiro interesse pelo que nós dizemos a ele... Ele não estará pensando em humildade, ele não estará de modo algum pensando em si próprio!"

Logo, se percebe que a definição “wikpediana”, de fato é muito rasa e superficial, quando nos dispomos a buscar a compreensão desta complexa paixão.

E para expor e enfrentar um pouco de minha eterna companheira vaidade, é que decidi aqui dissertar um pouco sobre ela, hora amiga e companheira, hora vilã e traiçoeira, hora manifestando-se de forma visível, hora se ocultando, se escondendo e se mascarando na forma do bem, ou até mesmo do mal. Como diria Mathias Aires em Reflexões sobre a Vaidade,

“Vivemos com vaidade e com vaidade morremos; arrancando os últimos suspiros, estamos dispondo a nossa pompa fúnebre... No silêncio de uma urna depositam os homens a sua memória para com a fé dos mármores fazerem seus nomes imortais... A vaidade até se estende a enriquecer de adornos o mesmo pobre horror da sepultura... Queremos que cada um de nós se entregue a terra com solenidade, e fausto, outra infeliz porção de terra: tributo inexorável!”

Não há como ignorar que diariamente esta paixão nos acompanhe, em discursos, atos, buscas, representações, enfim, em tudo o que somos sempre há um pitada desta tão assustadora paixão, a qual poderíamos afirmar talvez ser a mais sagaz e ardilosa paixão, não a toa que Mathias Aires ao falar sobre ela, dizia,

“De todas as paixões , a que mais se esconde é a vaidade, e se esconde de tal forma , que a si mesma, oculta, e ignora.”

O que mais me chama a atenção na verdade, não são aqueles que possuem a capacidade de em meio a facilidade digital elaborar conceitos e estruturar sistemas prontos para elucidar tal ato, e sim os que fogem do assunto por medo de se depararem consigo mesmos nas mais simples circunstâncias do cotidiano em que se esta inserido. Pois ao se escrever se esconde o desejo do reconhecimento em ser lido, ao fazer o bem se esconde o desejo de ser conhecido pelos seus atos, até mesmo no medo da morte escondemos o temor de não sermos lembrados e assim não sermos reconhecidos pelas nossas memórias.

Nestas situações é que percebo  a existência de dois grupos distintos, o primeiro composto por aqueles que reconhecem e temem a convivência com a vaidade,  a tratam como a grande inimiga na edificação e no  desenvolvimento de suas estruturas espirituais, materiais e sociais, estando sempre em combate, lutando contra uma paixão que na maioria das vezes é incompreendida e tratada como um mal absoluto, e irreparável, algo em suma, nocivo, prejudicial e que deve ser aniquilado custe o que custar. Estes não percebem que na vaidade também há o bem, e também há virtude na mesma proporção em que há este suposto mal tão temido. Desconsideram o dualismo que repousa sobre a paixão da vaidade “bem e mal”, trazendo sobre a mesma um determinismo negativo, que no fim não passa da mais concreta característica da vaidade, que se mostra exatamente na necessidade de tornar a paixão má em defesa de uma postura boa e livre da vaidade.

No segundo grupo estão aqueles que dizem conhecer a vaidade e não a possuir, aqueles que dizem estar preparados e prontos para viverem em si, a mais sublime forma de humildade, o que ao meu ver, é a mais autêntica forma de vaidade que podemos encontrar, o que popularmente chamamos de falsa modéstia.  A respeito destes Machado de Assis ao finalizar sua obra “Elogio da Vaidade” diz,

“Um levanta os ombros; outro ri de escárnio. Vejo ali um rapaz a fazer-me figas: outro abana tristemente a cabeça; e todas, todas as pálpebras parecem baixar, movidas por um sentimento único. Percebo, percebo! Tendes a volúpia suprema da vaidade, que é a vaidade da modéstia.”

Fica muito claro que falar sobre vaidade exprime uma complexidade sem tamanho, nos aponta caminhos diversos, e conjecturas das mais variadas formas. Eu mesmo a tenho como parte inerente de minha pobre e mortal natureza humana, uma eterna companheira que do berço ao túmulo terei que conviver. Não há como aniquilar a vaidade, sem que eu próprio seja aniquilado, não há como descartar a vaidade como se ela própria fosse um sentimento ou comportamento individual. Estamos a mercê de uma paixão que nos alimenta e nos deixa com fome, que nos coloca em um patamar de destaque e que em um piscar de olhos nos leva a mais angustiante ruína.          

Deveríamos entrar com todas as nossas forças em uma queda de braços deveras inútil?

Ou o conhecimento, e o aprender como conviver, seria a atitude mais plausível?

Seria sensato explorar a vaidade no âmbito das virtudes que nela possam existir,  tendo o cuidado de não expor de forma hostil nossa eterna companheira?

Ou seria ainda, a vaidade simplesmente uma criação da psique humana, para então justificar o medo de assumir nossos próprios pensamentos, e nossas posições contrárias ao proposto?

“Digo a todos, porque a todos cobiço, ou sejais formosos como Páris, ou feios como Tersites, gordos como Pança, magros como Quixote, varões e mulheres, grandes e pequenos, verdes e maduros, todos os que compondes este mundo, e haveis de compor o outro; a todos falo, como a galinha fala aos seus pintinhos, quando os convoca à refeição, a saber, com interesse, com graça, com amor. Porque nenhum, ou raro, poderá afirmar que eu o não tenha alçado ou consolado.” (Machado de Assis, Elogio da Vaidade

Publicado originalmente no blog http://logosemithos.blogspot.com.br/2012/11/vanitas-vanitatis.html

Blog do autor: http://filoboteco.blogspot.com.br/


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